A Competência da Justiça Militar Estadual para decretar a perda do posto ou graduação de militares

Análise à Luz do Art. 125, § 4º, da Constituição Federal e do Tema 1200 do STF

Felipe Vicente Sztukalski

12/25/20244 min read

Autor: Felipe Vicente Sztukalski

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 125, § 4º, estabelece que compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei e nas ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Este dispositivo foi objeto de interpretação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1200 de Repercussão Geral, consolidando o entendimento acerca do alcance da competência da Justiça Militar para decretar a perda do posto, patente ou graduação de militares.

De forma simplificada, a Justiça Militar estadual possui a prerrogativa de decidir se o policial militar, após condenação criminal por sentença transitada em julgado, independentemente do quantum da pena, pode ser submetido a um processo denominado Representação para Perda de Graduação (RPG). Nesse processo, o Pleno da Justiça Militar, por maioria de votos, avalia se o militar deve ou não perder a graduação. A perda da graduação implica na exclusão do policial das fileiras da corporação.

Tal penalidade pode ser aplicada também ao policial militar em situação de inatividade.

O processo para a perda da graduação militar é caracterizado por sua celeridade. Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o Ministério Público Militar pode promover uma representação autônoma para o início do processo.

Nesse processo, não há mais discussão sobre a culpabilidade ou os fatos que deram origem à condenação, uma vez que esses elementos foram exauridos na instância penal. O foco é exclusivamente a análise do impacto da conduta do militar sobre sua aptidão para integrar as fileiras da corporação.

Por exemplo, imagine que um policial, durante o serviço operacional, desfira um tapa no rosto de um civil abordado. Em razão desse fato, o policial é condenado a seis meses de detenção, com suspensão condicional da pena. Mesmo diante de uma pena baixa, a Justiça Militar pode analisar a representação autônoma do Ministério Público para avaliar a permanência do militar na instituição. Essa possibilidade demonstra que, mesmo em casos de penas relativamente brandas, a compatibilidade da conduta com os valores institucionais pode ser avaliada pelo Judiciário.

Muitos policiais desconhecem essa previsão constitucional e acreditam que, após serem punidos em um procedimento disciplinar administrativo ou mesmo em um processo regular que não aplique sanção de exclusão, estão livres da possibilidade de exclusão por aquele mesmo fato.

No exemplo acima citado, suponha que o policial militar tenha respondido a um procedimento disciplinar, e tenha sido aplicada uma sanção de cinco dias de permanência disciplinar. À luz do princípio da independência das esferas, a Justiça Militar pode aplicar a pena de perda de graduação, mesmo que o policial já tenha sido punido administrativamente pelo mesmo fato.

Segundo a jurisprudência atual, esse entendimento está alinhado aos princípios constitucionais que regem a atividade militar, incluindo hierarquia e disciplina, fundamentais para o funcionamento das Forças Armadas e auxiliares. A perda do posto ou graduação como consequência de uma condenação penal reforça a necessidade de manter a credibilidade e a legitimidade das corporações perante a sociedade.

E se o policial militar for condenado na Justiça comum por fatos não relacionados ao exercício da função, a Justiça Militar pode mesmo assim decretar a perda da graduação da praça?

Sim. O processo de Representação para Perda da Graduação pode ser iniciado com base na condenação criminal transitada em julgado na Justiça comum. O Tema 1200 do STF ratificou essa competência ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo 1.320.744 - Distrito Federal. O caso discutiu a condenação por crimes comuns, julgados pela Justiça comum. A defesa sustentou que, na própria condenação, o juiz poderia ter decretado a perda do cargo ou da função pública como efeito secundário (artigo 92, inciso I, do Código Penal), o que não ocorreu, sendo desnecessária, portanto, a instauração de RPG pela Justiça Militar.

Neste julgado, foram fixadas as seguintes teses:

  1. A perda da graduação da praça pode ser declarada como efeito secundário da sentença condenatória pela prática de crime militar ou comum, nos termos do art. 102 do Código Penal Militar e do art. 92, I, “b”, do Código Penal, respectivamente.

  2. Nos termos do artigo 125, § 4º, da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir, em processo autônomo decorrente de representação do Ministério Público, sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças que tiveram contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime cometido.

Neste sentido, em 18 de setembro de 2023, foi publicada no Boletim Geral PM 176 a Portaria do Cmt G Nº CorregPM- 1/330/23, que determinou a obrigatoriedade do Comandante da OPM do Policial Militar, enviar à Diretoria Judiciária da Justiça Militar estadual de cópia integral de condenação criminal transitada em julgado (sentenças e acórdãos, excetuando-se as condenações advindas da Justiça Militar Estadual) sofrida por policiais militares da ativa, da reserva remunerada ou reformados.

Em conclusão, o art. 125, § 4º, da Constituição Federal e o entendimento consolidado no Tema 1200 do STF estabelecem a competência da Justiça Militar estadual para decretar a perda do posto ou graduação de militares, em processo célere e específico, que avalia a adequação do condenado às exigências da vida castrense. Este mecanismo assegura a preservação dos princípios basilares da instituição militar, garantindo sua legitimidade e efetividade.

Autor: Felipe Vicente Sztukalski
Bacharel em direito pela Universidade Cruzeiro do Sul. Pós graduação em Ciências jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul. Curso de Polícia Judiciária Militar pela Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

A Competência da Justiça Militar Estadual para decretar a perda do posto ou graduação de militares:
Análise à Luz do Art. 125, § 4º, da Constituição Federal e do Tema 1200 do STF.