A COMPETÊNCIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA COMUM E MILITAR.
Os limites da atuação do Delegado de Polícia na apuração de condutas praticadas por policiais militares.
O sistema de segurança pública é disciplinado na própria Constituição Federal, em seu art. 144, o qual dispõe dos órgãos policiais e suas respectivas funções. Dentre eles, estão previstas como polícia judiciária: a Polícia Federal (no âmbito da União) e a Polícia civil (nos Estados).
CF, Art. 144. [...]
§1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
[...]
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
[...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Mas afinal, o que seria “polícia judiciária”?
É aquela competente de apurar as infrações penais, elucidando tanto a autoria quanto a materialidade do fato delituoso cometido. Isto é, diferentemente da Polícia Militar, a função típica da polícia judiciária é atuar somente após do crime ter sido praticado.
Cabe ressaltar ainda que, embora estas polícias sejam intituladas como “polícia judiciária” , não quer dizer que elas fazem parte do Poder Judiciário, mas sim porque elas auxiliam este poder no respectivo processo penal. Lembramos que estas polícias estão dentro da estrutura do Poder Executivo, subordinada tanto ao Presidente da República (PF) quanto aos Governadores de Estado (PC).
Relacionando agora o tema da Polícia Judiciária (PJ) comum com a Polícia Judiciária Militar (PJM - aquela competente de apurar as infrações penais militares), observe dois aspectos:
1 - A CF/88 retirou expressamente a competência de PJM da Polícia Civil, bem como da Polícia Federal (neste caso porque não seria de interesse da União).
2 - Em contrapartida, a CF/88 não prevê de quem seria esta competência de PJM, a qual está expressamente prevista no art. 7º e 8º do Código de Processo Penal Militar (CPPM):
Art. 7º A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º , pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas jurisdições:
[...]
h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios;
Delegação do exercício
§ 1º Obedecidas as normas regulamentares de jurisdição, hierarquia e comando, as atribuições enumeradas neste artigo poderão ser delegadas a oficiais da ativa, para fins especificados e por tempo limitado.
Art. 8º Compete à Polícia judiciária militar:
a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;
Portanto, a atribuição de apurar os crimes militares compete às próprias Instituições Militares. No âmbito da União são as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), enquanto nos Estados e Distrito Federal, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares.
Ademais, como descrito no art. 7º , caput e §1º, do CPPM, a competência de PJM se divide em:
1- Autoridade de PJM originária: Comandante de Unidade (Na PMESP trata-se de função de posto de Coronel e de Tenente-coronel). Lembre-se de que a Companhia é subunidade, portanto, o Comandante de Cia não configura autoridade originária de PJM.
2 - Autoridade de PJM delegada: Todos os oficiais da ativa para fins específicos e tempo limitado. Ou seja, o oficial somente pode exercer a função de apurar crimes militares, ao instaurar Inquérito Policial Militar (IPM) ou presidi-lo, se houver autorização pelo Comandante da Unidade da área dos fatos.
Pois bem, dito sobre quem exerce a função de Polícia Judiciária Comum e Militar, de forma bem sucinta, vamos destacar o seguinte: toda conduta praticada pelo policial militar de serviço que eventualmente configure algum crime, este será obrigatoriamente um crime militar (art. 9º, inciso II, do CPM).
Esta sistemática surgiu a partir da alteração legislativa promovida por meio da lei nº 13.491, 13 de outubro de 2017, pois antes desta referida data, para que uma conduta fosse caracterizada como crime militar, o fato necessariamente deveria se encontrar tipificado no Código Penal Militar.
Portanto, atualmente, caso o Delegado de Polícia entenda que determinada conduta do policial militar, durante o serviço, tenha configurado algum crime previsto na legislação penal (seja no Código Penal Militar, Código Penal comum ou qualquer lei), ele não detém competência para a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APDF), nem tanto instaurar um Inquérito Policial, pois estes dois procedimentos devem ser instaurados pela Polícia Judiciária Militar.
Neste cenário, o Delegado de Polícia deve efetuar a voz de prisão em flagrante ao policial militar (como um dever de ofício, art. 301 do CPP) e apresentar a ocorrência à autoridade de PJM competente para a ratificação (ou não) da voz de prisão exarada e a consequente lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) por crime militar, mesmo que a tipificação criminal seja prevista fora do Código Penal Militar (como lei de abuso de autoridade, lei de tortura, lei de armas, dentre outras).
O que foi tratado acima é a regra. Temos uma única exceção na legislação, quando o crime praticado pelo policial militar for doloso contra a vida de civis, senão vejamos:
Tanto a CF/88 (art.125, §4º) quanto o CPM (art. 9º, §1º) dispõem que os crimes dolosos contra a vida de civis (homicídio, feminicídio, infanticídio, espécies de aborto, e auxílio ou instigação ao suicídio), praticados por policiais militares, serão de competência do Júri (art. 5º ,XXXVIII, CF).
Por tal razão, há duas hipóteses de fundamentações acerca da natureza jurídica desta conduta:
1 - Como estes crimes serão julgados na Justiça Comum (Tribunal do Júri), mesmo que a conduta se encaixe nas hipóteses do art. 9º do CPM (que seria crime militar), o crime será comum, de competência da Polícia Judiciária comum para apuração (Polícia Civil ou Federal).
Ademais, especialmente no Estado de São Paulo, existe a Resolução SSP-040/15, a qual prevê que em ocorrência de morte decorrente de atividade policial, o Delegado de Polícia deve comparecer no local dos fatos e realizar a respectiva investigação criminal.
2 - Em sentido oposto, a segunda fundamentação jurídica existente é que, embora esses crimes (dolosos contra a vida de civis) sejam julgados pela Justiça Comum, quando praticados nas circunstâncias do art. 9º do CPM serão crimes militares e a competência de apuração da PJM (Instituição Militar).
Esta última tese se fundamenta no próprio CPPM, em seu art. 82, §2º, que aduz que: “Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum.”.
Portanto, como coexistem as duas teses jurídicas que se fundamentam, atualmente, quando há um homicídio doloso praticado pelo policial militar, ele é apurado tanto pela PJ quanto pela PJM (que envia posteriormente os autos do IPM para a Justiça Militar e esta para a Justiça Comum, na vara criminal do Júri).
Não é ocioso rememorar que se o homicídio for culposo contra civil, ou doloso contra outro militar, permanece a competência apenas da PJM de apuração criminal e, respectivamente, da Justiça Militar para processar e julgar tal delito.
Autor: João Felipe Goffi.