1 INTRODUÇÃO
Seguindo a teoria da pirâmide normativa do “jurisfolósofo” Hans Kelsen (1881-1973), baseada na hierarquia existente das normas legais, busca-se pontuar o presente estudo a partir da lei maior, ou seja, a Constituição Federal.
Para assegurar os inúmeros direitos previstos na Carta Magna, o legislador constituinte previu que qualquer lesão ou ameaça a eles será apreciada pelo Poder Judiciário, como segue:
Adiante, houve uma organização constitucional, de maneira geral, deste poder estatal, com a respectiva delimitação de seus órgãos, dentre eles os Juizados especiais, seja no âmbito da União ou dos Estados:
Desta forma, foi promulgada a lei n. 9.099/95, a qual dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, além da lei n. 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.
A bem da verdade, em razão da lei n. 10.259/01 dispor que se aplica o disposto na lei n. 9.099/95, no que não conflitar, também aos juizados da Justiça Federal, o estudo acerca de suas finalidades e todos o procedimento sumaríssimo gira em torno desta legislação, o que será realizado adiante.
No mesmo sentido, o artigo 2º da lei dos Juizados Federais prevê que “Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência”.
Realizado este preâmbulo, ressalta-se que o objetivo aqui é expor os conteúdos de maior relevância para a aplicação do direito por este órgão do Poder Judiciário, qual tem a competência constitucional de processar e julgar as infrações de menor potencial ofensivo.
2 DESENVOLVIMENTO
Conforme acima mencionado, a legislação ordinária que dispõe sobre todos os institutos jurídicos dos juizados especiais é a lei n. 9.099/95, os quais são órgãos do Poder Judiciário com competência específica.
Embora esta legislação também trate dos Juizados Especiais Cíveis (JEC), analisaremos somente os Juizados Especiais Criminais (JECrim), ou seja, aqueles de competência para processar e julgar todas as contravenções penais e os crimes que a lei comine pena máxima em abstrato de até 02 (dois) anos, sendo essas duas espécies que compõe o gênero da infração penal de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 61 desta lei.
Em seu artigo 2º, constante ainda nas disposições gerais da norma, prevê os princípios informadores que regem o processo de competência dos juizados, sendo: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Ademais, o mesmo artigo já demonstra qual a sua finalidade: conciliação e a transação penal.
2.1.Competência do Juizado
Com previsão constitucional de competência para processar e julgar as infrações penais de menor potencial ofensivo, a lei n. 9.099/95, em seu artigo 60, elencou quais são estas infrações de competência do juizado especial criminal.
Todavia, expressamente previu também que as regras de conexão e continência são uma exceção a sua competência, ou seja, caso as infrações cometidas ultrapassem o critério legal de menor potencial ofensivo, os autos do processo serão remetidos à vara criminal competente.
Importante noticiar que estes institutos jurídicos da conexão e da continência estão elencados nos artigos do Código de Processo Penal, in verbis:
Outros dois critérios de deslocamento de competência do juizado especial competente para a vara criminal existem na legislação ora comentada, sendo: a impossibilidade de citação do acusado e também a complexidade da causa em específica, conforme, respectivamente, o art. 66, par. único, e o art. 77, par. segundo.
Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado.
Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei.
Art. 77. [...]
§ 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei.
O festejado professor Renato Brasileiro de Lima preleciona, de modo esclarecedor, que a competência do juizado especial criminal é relativa (Manual do Processo Penal, p. 1383):
Esse também é o entendimento da jurisprudência da Suprema Corte, nos termos do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5264 (Rel. Min. Cármen Lucia, j. 27.11.2020):
2.2. procedimento sumaríssimo lato sensu
A persecução penal é um direito/dever estatal, exercida por meio das instituições administrativas e judiciais, a fim de apurar a autoria e materialidade da infração penal cometida. Neste sentido, em sua primeira fase, qual seja pré-processual, inicia-se com a repressão imediata da prática delituosa pela polícia administrativa ostensiva e transcorre pelas investigações criminais realizadas pela polícia judiciária, por excelência constitucionalmente previstas no âmbito dos estados, respectivamente, à Policia Militar e à Polícia Civil (art. 144, §§ 4º e 5º, CF).
Já a segunda fase da persecução penal, com a instauração do processo penal, busca-se provas suficientes para a possível procedência ou improcedência da acusação realizada pelo autor da ação penal e, consequentemente, a execução da sanção penal, se for o caso.
Dessa forma, após a eclosão da infração penal de menor potencial ofensivo e a respectiva detenção do seu autor em estado flagrancial, nos termos do artigo 301 e 302 do CPP, via de regra, a autoridade policial deverá elaborar o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) ao invés de lavrar o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), desde que aquele seja imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, de acordo com a inteligência do artigo 69, caput e par. único, da lei n. 9.099/95.
O que recai à discussão doutrinária e jurisprudencial que reflete na prática do início da persecução criminal se refere à competência para a lavratura do respectivo TCO nestas situações, visto que a normatização supramencionada trata de “autoridade policial”.
É cediço que a autoridade policial a qual se refere o CPP para a instauração de Inquérito Policial e lavratura do APFD é o Delegado de Polícia, por força da lei n. 12.830/13, a qual dispõe sobre a investigação criminal conduzida por ele, tendo como atribuição as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais.
Todavia, parcela da doutrina entende que o TCO não tem natureza investigativa, mas sim como “mero registro de fatos”. Neste sentido, o STF decidiu que esta competência não se delimita ao Delegado de Polícia ao julgar a Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 5637, referente à lei estadual de Minas Gerais n. 22.257/2016, a qual autoriza a lavratura do TCO por demais integrantes dos órgãos de Segurança Pública (STF - ADI: 5637, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 14/03/2022, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 11/04/2022)
Confira-se.
Outro posicionamento doutrinário é de que este procedimento tem a mesma natureza investigativa do que os demais procedimentos extrajudiciais e investigatórios criminais. Ademais, como não há teses com repercussão geral do entendimento acima exposto pelo Supremo, atualmente não é pacífico quanto à autorização das demais instituições de Segurança Pública, como Polícia Militar, em elaborar o TCO, ainda mais quando não há normatização legislativa autorizando tal com competência no âmbito dos Estados, como é o caso do Estado de São Paulo.
2.2.1. fase preliminar
A detenção do autor do fato tipificado como infração penal de menor potencial ofensiva e a respectiva elaboração do TCO inicia a persecução penal e a fase preliminar do procedimento sumaríssimo lato sensu, sendo o ato subsequente a audiência preliminar, a qual tem o objetivo de conciliação através da respectiva aplicação dos institutos despenalizadores previstos em lei, tais como a composição civil e a transação penal, as quais serão detalhadas adiante.
Esta fase se findará com a homologação judicial, em audiência preliminar, da transação penal ou, caso não celebrada, com a designação da audiência de instrução e julgamento da infração penal de menor potencial ofensivo cometida, que será realizada em data superveniente.
2.3. medidas despenalizadoras
Em razão dos princípios informadores dos processos de competência do JECrim, especificamente o da celeridade, e pela finalidade para o qual o legislador ordinário elaborou esta norma, qual seja da aplicação de pena não privativa de liberdade, houve a inovação no ordenamento jurídico pátrio com a criação de institutos jurídicos despenalizadores.
2.3.1.ação penal nos crimes de lesão corporal leve e culposa
As ações penais se desenvolvem, em regra, por iniciativa do órgão estatal acusador, o Ministério Público, cujo membro atuante analisa os elementos de informação produzidos no curso do procedimento investigatório criminal e decide por oferecer a denúncia ao Órgão Judicial competente, nos termos do artigo 24 do CPP.
Por não existir qualquer condicionante específica para a propositura da ação penal, quando a lei penal permanecer silente em relação ao tipo penal, esta é denominada pela doutrina como ação penal pública incondicionada, como assim está previsto no artigo 129, caput, do Código Penal (lesão corporal leve).
Todavia, o artigo 88 da lei n. 9.099/95 alterou a espécie da ação penal para esta infração acima citada – e do art. 129, §6º, lesão corporal culposa – segundo o qual: “Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.”.
Desta forma, após a vigência desta lei, verifica-se que para a propositura da ação penal dos crimes de lesão corporal leve ou culposa necessariamente deve existir a representação do ofendido, como causa de procedibilidade da ação, além da justa causa, ou seja, indícios de autoria e materialidade do delito praticado.
2.3.2. composição civil
A composição civil é realizada entre o suposto autor do fato infracional imputado e a vítima, com a finalidade de reparar os prejuízos causados, sejam materiais ou morais, a qual tem eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. Ainda, nas ações penais públicas condicionadas à representação e privadas a homologação da composição civil dos danos acarreta à renúncia ao direito de queixa ou representação, nos termos do artigo 74 da lei dos juizados, diferentemente dos crimes que se procedem mediante ação penal pública incondicionada, sendo que, mesmo havendo composição civil, o MP pode oferecer a transação penal ou, não preenchendo os requisitos, oferecer a denúncia.
2.3.3. transação penal
Já a transação penal é a possibilidade da realização de acordo entre aquele que recai a infração penal e o Ministério Público, o qual poderá propor imediata aplicação de pena restritiva de direitos ou multas, especificadas na proposta, deixando, assim, de oferecer a denúncia, frisa-se, somente nos casos de infração penal de menor potencial ofensivo.
Desta forma, o agente que aceita este instituto, após homologado pelo juiz, não terá os efeitos contra si de ser acusado em um processo penal, tudo de acordo com o artigo 76, e seguintes, da mesma lei supracitada.
Não concretizado o acordo, o autor da ação penal deverá oferecer a denúncia oral na mesma audiência preliminar, momento no qual o acusado já será citado pessoal e designada a data e hora da audiência de instrução e julgamento, tudo reduzido a termo, e as partes já intimadas, nos termos dos art. 77 e 78 da lei 9.099/95.
2.3.4. suspensão condicional do processo
Por fim, outro instituto despenalizador surgido no ordenamento jurídico pátrio com a promulgação da lei 9.099/95 foi a suspensão condicional do processo, segundo o qual, não havendo o preenchimento dos requisitos para a celebração da transação penal e esta não ocorrendo, o membro do MP, ao oferecer a denúncia, já propõe também a suspensão condicional do processo, caso haja possibilidade.
Neste sentido, sendo aceito pelo denunciado, o processo permanece suspenso, sem a instrução probatória e o réu se submete ao período de prova, compreendido de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, e, após findado este lapso temporal previsto no acordo, será extinta a sua punibilidade.
Salienta-se que, diferentemente da transação penal, a aplicabilidade deste instituto é muito mais abrangente, pois foge à regra da legislação do juizado, não se aplicando somente às infrações de menor potencial ofensivo, mas sim a todas aquelas em que a pena mínima cominada ao delito não seja superior a 01 (um) ano, nos termos do artigo 89 desta lei, in verbis:
2.4. recusa do oferecimento do instituto despenalizador
Como acima exposto, a transação penal e a suspensão condicional do processo devem ser propostas pelo autor da ação penal, ou seja, recai ao Ministério Público nas ações públicas e ao querelante nas ações penais privadas, nos termos do art. 129, I, da CF, e art. 24, 29 e 30 do CPP.
Isto posto, caso se verifique que o titular da ação penal se recuse a propor tais institutos, estes não poderão ser concedidos de ofício pelo magistrado, entendimento pacificado pela doutrina e jurisprudência.
A esse respeito, o Supremo editou a súmula 696, com o seguinte verbete: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”.
Confira-se (Inq. 3.438, rel. min. Rosa Weber, 1ª T, j. 11-11-2014, DJE 27 de 10-2-2015):
Nesse raciocínio, o Supremo também entende que o verbete desta súmula pode ser aplicado à transação penal, prevista no art. 76 da lei 9.099/95 (STF, 2ª Turma, RE 296.185/RS, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 20/11/2001, dj 22/02/2002).
2.5. fase judicial
Exposto a fase preliminar do procedimento especial sumaríssimo, aplicado nas ações penais de infração penal de menor potencial ofensivo, verifica-se que, caso não haja aplicado o instituto despenalizador, haverá a audiência de instrução e julgamento, nos termos dos art. 77 a 81 da lei n.9.099/95.
Nesta audiência, serão realizadas as inquirições das testemunhas, interrogatório, debates orais e sentença, seguindo o princípio informador da celeridade processual, razão pela existência deste procedimento.
Após prolatada a decisão judicial, assim como em qualquer outra ação, as partes podem dela recorrer, sendo expressamente previsto nesta lei o recurso de embargos de declaração, quando houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida, no prazo de 05 (cinco) dias, lembrando-se que este prazo suspende os demais prazos recursais.
Há também a possibilidade de impugnar tal decisão por meio do recurso ordinário por excelência, o Recurso de Apelação, com fundamento no artigo 82 da lei do juizado, contudo, o prazo não é o mesmo de 05 (cinco) dias do que os demais procedimentos comuns previstos no CPP, mas sim de 10 (dez) dias, já inclusas as razões e o pedido do recorrente, segundo o art. 82, §1º.
O Recurso em sentido estrito e as ações autônomas de impugnação também são possíveis neste procedimento especial sumaríssimo, a corroborar o entendimento de Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves (Direito processual penal, p. 568):
2.6. inaplicabilidade da lei 9.099/95 e seus institutos
2.6.1 na Justiça Militar
Segundo a Constituição Federal de 1988, a Justiça Militar é um órgão do Poder Judiciário especializado, subdividido, respectivamente em seus artigos 124 e 125, §4º, entre a Justiça Militar da União, à qual compete processar e julgar os crimes militares no âmbito das Instituições Militares Federais (marinha, aeronáutica e exército), praticados tanto por civis quanto por militares federais, e a Justiça Militar estadual, à qual compete processar e julgar os crimes militares praticados pelos militares estaduais (polícia militar e corpo de bombeiro militar).
A lei dos juizados, em seu artigo 90-A, trata que não se aplicam no âmbito da Justiça Militar as disposições desta lei, ou seja, os institutos despenalizadores da composição civil, transação penal, suspensão condicional do processo, ação penal pública condicionada nas lesões corporais leves e culposa, independentemente se for Justiça Militar da União ou dos Estados.
Neste sentido caminha a jurisprudência do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, entendendo que não se aplica tais institutos ao processo penal militar (Correição Parcial nº 0001261-91.2021.9.26.0030 - 620/21)
Embora seja sabido que as instituições militares são regidas pelos princípios constitucionais da hierarquia e disciplina, os quais devem ser levados em consideração nos processos de crimes militares, e justifica-se a inaplicabilidade destes institutos aos militares, indaga-se: Por que o civil, o qual ao ser julgado pela justiça comum será aplicado os institutos despenalizadores quando preenchidos seus requisitos, não terá os mesmos benefícios quando processado e julgado na Justiça Militar da União?
Em que pese seja discutido juridicamente conforme acima exposto, verifica-se em julgado do Superior Tribunal Militar que também não se aplica tais institutos aos civis que respondem nesta justiça especializada (STM, APELAÇÃO N.º 7000642-60.2020.7.00.0000, Relator FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO, j. 05/08/2021).
2.6.1. violência doméstica e familiar contra mulher
Outra circunstância que impede a aplicabilidade das medidas ora comentadas é quando o autor do delito seja processado por crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 41 da lei 11.340/06. Ademais, o STJ se posicionou neste sentido, segundo o enunciado da súmula 596: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.”.
Entendimento este pacífico pela doutrina e jurisprudência, tendo em vista a incompatibilidade entre a natureza jurídica da lei dos juizados e toda a política publica que envolve este cenário de prática delituosa.
3. CONCLUSÃO
O presente estudo teve por base um cenário panorâmico da lei dos juizados especiais criminais, todos os princípios envolvendo tais processos que adotam o procedimento comum sumaríssimo, bem como as medidas despenalizadoras existentes no ordenamento jurídico.
No mesmo modo, não se pode olvidar de trazer à baila discussões doutrinárias e jurisprudências a respeito da aplicabilidade de tais institutos, os quais tem características próprias e surgiram como uma inovação no processo penal em 1995.
Conclui-se, portanto, que levando em consideração de uma justiça penal negociada, com aplicabilidade de penas restritivas de direito a infrações de menor potencial ofensivo demonstram um desaforamento em toda a fase judicial da persecução penal desenvolvida pelo Estado, o que demonstra uma justiça eficiente e eficaz aos flagelos sociais, envolvendo prática delituosa, a partir da rápida resposta estatal.
4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2018.
LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal – 12. ed. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.
Autor: João Felipe Goffi
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (grifos nossos)
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (grifos nossos)
[...]
§ 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.
EMENTA: APELAÇÃO. DPU. RECEPTAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE. CORRÉUS CIVIL E MILITAR. INAPLICABILIDADE DO ART. 89 DA LEI Nº 9.099/1995.DESCONHECIMENTO ACERCA DA ORIGEM ILÍCITA DA RES. TIPICIDADE DA CONDUTA. DOLO EVENTUAL. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL.
1. Tratando-se de corréus civil e militar ao tempo do crime, ainda que tenham praticado os crimes em situações jurídicas diferentes, em observância ao Princípio da Isonomia, não é justo assegurar apenas ao civil a oportunidade de se beneficiar dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/1995.
2. O crime de receptação, previsto no art. 254 do CPM, admite o dolo eventual. Nesse caso, configura-se a prática delituosa quando o agente, apesar das circunstâncias em que se deram a transação evidenciarem a origem espúria do bem, prefere dar causa ao resultado descrito na norma penal incriminadora.
3. Nos termos do art. 73 do CPM e do Enunciado da Súmula nº 231 do STJ, o magistrado deverá observar os limites máximo e mínimo da pena cominada ao crime quando for fixar o quantum da agravação ou da atenuação da pena-base na segunda fase da dosimetria.
Preliminar rejeitada. Decisão unânime. Recurso conhecido e não provido. Decisão majoritária. (grifo nosso)
EMENTA
POLICIAL MILITAR – CORREIÇÃO PARCIAL – INQUÉRITO POLICIAL MILITAR INSTAURADO PARA APURAÇÃO DE EVENTUAL CRIME DE LESÃO CORPORAL PRATICADO NA CONDUÇÃO DE VIATURA – ENQUADRAMENTO DA CONDUTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ART. 303 DO CTB C.C. ART. 9º, II, “C”, DO CPM (CRIME MILITAR POR EXTENSÃO – LEI Nº 13.491/17) – PEDIDO DE ARQUIVAMENTO EFETUADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COM FUNDAMENTO NA AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO (LEI 9.099/95) – ACOLHIMENTO DO PEDIDO DE ARQUIVAMENTO POR PARTE DO JUIZ DE DIREITO DA 3ª AUDITORIA MILITAR – REPRESENTAÇÃO OFERECIDA PELO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA MILITAR NOS TERMOS DO ART. 498, “B”, DO CPPM DISCORDANDO DA DECISÃO DE ARQUIVAMENTO – INAPLICABILIDADE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS NO ÂMBITO CASTRENSE – INTELIGÊNCIA DO ART. 90-A DA LEI 9.099/95 – CONSTATAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL MILITAR – CONDUTA QUE TIPIFICADA NO ART. 210 DO CPM DIANTE DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE – PROVIMENTO DA CORREIÇÃO PARCIAL COM O CONSEQUENTE ENCAMINHAMENTO DOS AUTOS AO PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA. Em havendo indícios acentuados de prática delitiva, é recomendável que a última avaliação seja feita pelo chefe do Ministério Público Estadual a fim de exercer, se assim o entender, o princípio da obrigatoriedade da ação penal. São inaplicáveis aos crimes militares por extensão os benefícios previstos na Lei nº 9.099/95, diante da vedação expressa contida em seu art. 90-A. A especialidade da matéria penal castrense implica a subsunção dos crimes praticados na condução de viatura aos tipos penais previstos no Código Penal Militar, desde que presentes quaisquer das condições previstas no art. 9º, II, do CPM. (grifo nosso)
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos. (grifo nosso)
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.
§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível. (grifo nosso)
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. ARTS. 1º E 2º DA LEI N. 11.313/2006. ALTERAÇÕES NO CAPUT E NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 60 DA LEI N. 9.099/1995 E NO ART. 2º DA LEI N. 10.259/2001. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. INCIDÊNCIA DAS REGRAS PROCESSUAIS DE CONEXÃO E CONTINÊNCIA. VIGÊNCIA DE OUTRAS PREVISÕES LEGAIS DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. GARANTIA DE APLICAÇÃO DOS INSTITUTOS DA TRANSAÇÃO PENAL E DA COMPOSIÇÃO CIVIL DOS DANOS NO JUÍZO COMUM. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. 1. É relativa a competência dos Juizados Especiais Criminais, pela qual se admite o deslocamento da competência, por regras de conexão ou continência, para o Juízo Comum ou Tribunal do Júri, no concurso de infrações penais de menor potencial ofensivo e comum. 2. Os institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/1995 constituem garantia individual do acusado e têm de ser assegurados, quando cabíveis, independente do juízo no qual tramitam os processos. 3. No § 2º do art. 77 e no parágrafo único do art. 66 da Lei n. 9.099/1995, normas não impugnadas, também se estabelecem hipóteses que resultam na modificação da competência do Juizado Especial para o Juízo Comum. Ação direta julgada improcedente. (grifo nosso)
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:
I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;
II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1o, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal.
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:
I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;
II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores. (grifos nossos)
Ora, por mais que a competência dos Juizados para o processo e Julgamento de infrações de menor potencial ofensivo derive do art. 98, inciso L, da Constituição Federal, é certo que a competência dos Juizados admite modificações. Como visto no tópico anterior, a própria Lei dos Juizados prevê 3 (três) hipóteses de modificação da competência - impossibilidade de citação pessoal do acusado, complexidade da causa e conexão e/ou continência com crime comum -, do que se infere que a competência dos Juizados tem natureza relativa, e não absoluta.
EMENTA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. LEI DO ESTADO DE MINAS GERAIS N. 22.257/2016. AUTORIZAÇÃO DE LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO POR INTEGRANTES DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ESTADOS. AUSÊNCIA DE DESVIO DE FUNÇÕES. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. 1. A lavratura de termo circunstanciado não configura atividade investigativa, nem é atividade privativa da polícia judiciária. Precedentes. 2. No âmbito da competência concorrente, Estados e Distrito Federal têm competência para definir as autoridades legitimadas para a lavratura do termo circunstanciado. 3. Como não há atribuição privativa de delegado de polícia ou mesmo da polícia judiciária para a lavratura do termo circunstanciado, norma estadual que atribui essa competência à polícia militar não viola a divisão constitucional de funções entre os órgãos de segurança pública. 4. Ação direta julgada improcedente.
Ementa
A jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica no sentido de que não cabe ao Poder Judiciário conceder os benefícios da Lei 9.099/1995 à revelia do titular da ação penal. A esse respeito, a Súmula 696 deste Supremo Tribunal Federal: "Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal". Como a manifestação nos presentes autos provém do próprio Procurador-Geral da República, ainda que esta Colenda Turma dela dissentisse, a negativa deveria prevalecer, porquanto a Constituição Federal conferiu a titularidade da ação penal ao Ministério Público, à qual intimamente ligada a possibilidade de propor a suspensão condicional do processo e a transação.(grifo nosso)
Apesar de a Lei n. 9.099/95 somente fazer menção aos recursos de apelação e embargos de declaração, não fica excluída a possibilidade do recurso em sentido estrito, uma vez que o Código de Processo Penal se aplica subsidiariamente à legislação especial. Ex.: contra a decisão que reconhecer a prescrição de infração de menor potencial ofensivo no Juizado (art. 581, IX, do CPP).
A utilização do habeas corpus e do mandado de segurança também é admitida quando presentes os requisitos previstos na Constituição Federal. Nada obsta, por fim, a interposição de revisão criminal pela defesa se, após o trânsito em julgado de sentença prolatada no Juizado Especial, surgirem novas provas que demonstrem a inocência do acusado ou quando presente qualquer das outras hipóteses do art. 621 do Código de Processo Penal.