Autor: João Felipe Goffi de Araujo
Introdução
Para compreender o processamento e julgamento realizado no denominado “Tribunal do Júri”, deve-se realizar um estudo sob uma perspectiva histórica, respondendo alguns temas centrais:
Por quais razões há um julgamento de uma pessoa por juízes leigos?
Apenas no Brasil existe um julgamento popular?
Desde quando há esta prática em nosso Poder Judiciário?
Tais indagações serão respondidas a partir de uma breve contextualização histórica que será realizada a seguir.
Desenvolvimento
A formação do Tribunal popular do júri traz o embrião de um Direito Penal e Processual Penal, ou seja, uma manifestação de regras processuais pelas quais uma pessoa deveria ser julgada, de maneira razoável e justa, sendo datado o seu início em 1215 na Inglaterra, com o Rei João Sem Terra.
Nasce ali, então, um julgamento pelos pares, com a participação do povo do local onde o fato criminoso ocorreu, com a finalidade de afastar a interferência de governantes e poderosos nas decisões, configurando-se esta a essência do júri, que não se perdeu em tantos séculos.
Tanto é que estes jurados leigos até os dias atuais, tal como no ordenamento jurídico brasileiro, simbolizam a verdade, decidem pela íntima convicção logo após as exposições das partes processuais em plenário (acusação e defesa), sem mesmo necessitar fundamentar a sua decisão.
Daí por diante, este modelo de julgamento popular se espalhou por todos os países da Europa e demais continentes do mundo. Outras características vão se formando em cada região, mas sempre com a mesma essência: a formatação do denominado “escabinato” (o conjunto de Juiz de Direito e juízes leigos).
Desta maneira, no Brasil foi importado o fenômeno do Tribunal do júri no início do período imperial em 1822, cuja competência inicial era o processamento dos crimes de abuso contra a liberdade de imprensa, formado especificamente por 24 (vinte e quatro) cidadãos “bons, honrados e patriotas”, sendo direito do réu recusar até 16 (dezesseis) deles para o seu julgamento.
Já na Constituição Federal de 1824, houve a constitucionalização do júri, passando a integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos, com uma competência ampliada para questões cíveis e criminais.
Nessa época, assim como em outros países, existiam dois júris, sendo: o grande júri de acusação, o qual decidia se o investigado deveria ser julgado ou não, de acordo com o que ouviam na comunidade local acerca dos fatos; e o pequeno júri de sentença, composto por 12 (doze) pessoas leigas, para decidir quanto à condenação ou absolvição do acusado.
Em 1841 foi redefinida a competência do júri e extinguiu-se o júri de acusação, quando então a competência sobre este filtro de julgamento foi transferida para as autoridades policiais e juízes municipais.
Com a proclamação da República Federativa do Brasil em 1889, foi promulgada uma nova Constituição Federal em 1891, sendo mantida a Instituição do Júri, contudo com a especificação de que os Estados pudessem regulamentar o seu funcionamento próprio.
Em 1937 com o Estado Novo, governo totalitarista de Getúlio Vargas, houve o silêncio desta instituição, sendo retirada a participação do povo no julgamento de processos penais brasileiro. Com a sua queda e a nova Constituição Federal de 1946, novamente foi inserido o julgamento popular do júri, especificamente no capitulo de Direitos e Garantias, reestabelecendo a soberania dos veredictos, fixando também a competência somente para os crimes dolosos contra a vida, como se encontra nos dias atuais.
Assim, o Tribunal do Júri, atualmente, é previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual segue in verbis:
A contextualização histórica do Tribunal do Júri e sua competência constitucional
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (grifo meu)
Conclusão
Como acima exposto, a participação popular da Instituição do Júri atualmente é um direito e garantia fundamental do cidadão, o qual deve ser julgado pelos seus pares nos crimes dolosos contra a vida, assegurados a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos, de tal forma que esta Instituição, como denominada constitucionalmente, faz parte do Poder Judiciário, mesmo não estando previsto em sua organização constitucional (art. 92 e seguintes da CF/88)
Cabe destacar, por fim, que o Tribunal do Júri é considerado uma cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal, não podendo ser retirado do ordenamento jurídico, nem mesmo ter as suas características modificadas por meio de Emenda Constitucional, visto se tratar de um direito e garantia fundamental (art. 5º, XXXVIII).
Autor: João Felipe Goffi de Araujo
Bacharel em Ciências Policiais e Segurança e Ordem Pública. Bacharel em Direito. Aprovado no XXXVII Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-graduado em Direito Público; Pós-graduado em Ciências Penais e Segurança Pública, Pós-graduado em Direito Processual Penal. 1º Tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo.