Atendimento de ocorrência de auto localizado (furto/roubo) no Estado de São Paulo e suas particularidades jurídicas.

Sob a luz da Resolução nº SSP-057/15

João Felipe Goffi de Araujo

12/9/20246 min read

ATENDIMENTO DE OCORRÊNCIA DE AUTO LOCALIZADO (FURTO/ROUBO) NO ESTADO DE SÃO PAULO E SUAS PARTICULARIDADES JURÍDICAS.

No Estado de São Paulo, há quase uma década, o atendimento de ocorrência pelas polícias quanto à localização de veículo abandonado, produto de roubo ou furto, passou por uma mudança significativa que gerou uma consequente melhora na prestação de segurança pública.

Anos atrás, quando os policiais militares localizavam um veículo abandonado, produto de roubo ou furto, deveriam necessariamente aguardar o proprietário chegar ao local, independentemente do tempo de espera, e, posteriormente, apresentar pessoalmente tal ocorrência na Delegacia de Polícia, para a confecção de tão somente um Boletim de Ocorrência (aqui não estamos tratando de casos de prisão em flagrante do suposto autor do fato delituoso, mas tão somente de um veículo abandonado).

Todavia, em 2015, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo regulou o atendimento e o registro de ocorrências por meio da Resolução SSP-057/15, e, dentre os assuntos abordados, foi disciplinada uma nova dinâmica para as atuações policiais (Militar e Civil) nesta espécie de ocorrência, senão vejamos:

Res. SSP-057/15 – Artigo 4º - O policial militar ou civil que atender ocorrência de localização de veículo produto de ilícito penal, nos termos da Resolução SSP 173/2013, tomará as providências necessárias visando ao comparecimento do proprietário ou responsável no local em que se encontra o veículo, para acompanhar os registros e procedimentos necessários junto à Polícia Civil.

§ 1º - Em havendo o comparecimento do proprietário ou responsável ao local de encontro do veículo, o policial militar ou civil encarregado da ocorrência o acompanhará à Polícia Civil.

§ 2º - O policial militar ou civil, com vistas ao pronto retorno às suas respectivas atribuições, fornecerá ao proprietário ou responsável, em documento próprio, os dados para as providências legalmente cometidas à Polícia Civil, do qual constará a ciência sobre a necessidadede imediato registroda ocorrência.

Cabe destacar, primeiramente, que esta Resolução, por se tratar de uma norma advinda de Secretaria de Estado, todos os órgãos que estão a ela subordinados devem o devido acatamento, tal como a Polícia Militar, Civil e Técnico Científica.

Além disso, os procedimentos operacionais e administrativos para o cumprimento da Resolução SSP-057/15 foram disciplinados pela Portaria Conjunta nº PC/PM-1, de 2015, bem como, no âmbito da Polícia Militar, pela Nota de Instrução (NI) nº PM3-001/02/15.

Portanto, estas serão as normas aqui tratadas, além do Código de Processo Penal brasileiro.

Atualmente, o policial militar que atender a ocorrência de “auto localizado” não deve mais apresentar a ocorrência pessoalmente no DP para a lavratura do BO/PC, mas tão somente realizar o BO/PM no local dos fatos, entregar a Notificação de Ocorrência (NOC) ao proprietário e acompanhá-lo até o DP para que este realize a apresentação dos fatos. 

E se o proprietário não quiser comparecer ao local (seja porque esteja distante ou já tenha sido ressarcido pela seguradora, mas ainda o veículo encontra-se em seu nome)?

Se o proprietário não for comparecer ao local dos fatos, o policial militar deve apenas cientificá-lo de sua exclusiva responsabilidade em removê-lo e realizar o BO/PM, nos termos seguintes da NI supracitada:

NI - item 6.3.5.5. não havendo condições de o veículo ser removido e em sendo localizado o proprietário, este deverá ser cientificado sobre a sua exclusiva responsabilidade em removê-lo à unidade policial-civil competente, ficando vedada a permanência de policiais militares para a guarda do veículo se aquele negar-se a comparecer ao local, anotando-se esta circunstância no respectivo BO/PM (vide Resolução SSP-496/06)

Assim sendo, imaginemos que o policial militar se depare com um veículo produto de roubo/furto, e, após a localização do proprietário, este não comparece ao local dos fatos, tal como haja impossibilidade de remover o veículo (pois não haveria a sua respectiva chave), após adotar estas providências, vai embora e o veículo é furtado novamente por alguém.

Nesta circunstância acima narrada, poderia o policial militar ser responsabilizado por peculato culposo?

Não, pois o policial militar estaria em estrito cumprimento de um dever imposto pela norma administrativa da sua Instituição.

Não é demais relembrar que todas estas normatizações vieram exatamente para garantir a eficiência da segurança pública como um direito de todos, pois diferentemente do que está sendo adotado, enquanto uma viatura estaria empenhada em realizar uma “segurança privada” de um bem particular que o proprietário sequer “estaria preocupado”, deixava de realizar o policiamento preventivo e atendimento de outras ocorrências de maior gravidade.

Pois bem, dito essas considerações gerais, iremos analisar alguns cenários específicos.

O sítio no qual o veículo foi localizado será considerado como “local de crime”?

Não, nos termos do art. 1º da Resolução SSP-173/13, não há necessidade de preservar o veículo onde foi localizado para a realização de exame pericial, podendo este exame ser requisitado pelo Delegado de Polícia para que se proceda pelo DP ou que o próprio proprietário apresente o veículo no IC para a sua realização (art. 2º , §2º desta Resolução).

Código Penal - Art.312- [...]
Peculato culposo
§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena -detenção, de três meses a um ano

Res. SSP-173/13 – Artigo 1º - Ressalvadas as hipóteses de flagrante, não se considera local de crime para os efeitos da Resolução n. 382, de 01-09-1999, o sítio no qual é encontrado, em evidente estado de abandono, veículo produto de crime de furto ou roubo.

O tratado acima é a regra, porém se houver indícios de outros crimes no local do veículo localizado, este será considerado como um local de crime e deverá ser preservado para a respectiva realização de exame pericial.

NI - item 6.3.5.6. caso o veículo localizado contenha indícios de cometimento de outros crimes, como, por exemplo, manchas de sangue, armas, cadáveres, produtos entorpecentes etc., a US deverá preservar o local, nos termos da Resolução SSP-382/99, e adotar as medidas descritas no subitem“6.5.” e divisões.

Observe que o rol de crimes elencados na normatização acima não é taxativo, ou seja, são exemplos de infrações penais que tornariam o veículo furtado/roubado localizado como um local de crime e, consequentemente, devendo ser preservado para a perícia e apresentado pessoalmente pelo policial militar no DP, independentemente se o proprietário comparecer no local.

Neste cenário, quando há vestígios de sangue, torna-se claro que será um local de crime e deverá ser procedido da maneira acima tratada. Mas e quando for um auto localizado com as placas trocadas?

Com o devido respeito a posicionamentos contrários, ao nosso entender, este veículo também deveria ser apresentado pessoalmente pelo policial militar no DP ao Delegado de Polícia, não deixando simplesmente a cargo do proprietário (BO/PM e NOC), mesmo que não haja flagrante, senão vejamos:

Primeiramente, como tratado acima, a própria Nota de Instrução da PM elenca que se houver indícios de outros crimes o policial militar deverá preservar o local. A placa trocada configura o crime do art. 311 do Código Penal (adulteraçãode sinal identificadorde veículo).

Além disso, há outras considerações a serem realizadas. O Código de Processo Penal prevê que o exame pericial será obrigatório quando o crime deixar vestígios (é o caso do crime do art. 311, CP)

CPP, Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Neste sentido, a Portaria Conjunta nº PC/PM-1, de 2015, que regulamenta a Resolução SSP-057/15, com os procedimentos operacionais e administrativos para seu cumprimento, prevê as formas de comunicação da ocorrência entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, sendo: prévia, formal, verbal e pessoal (apresentação no DP).

A apresentação pessoal pelo policial militar será nas seguintes hipóteses:

  • casos de auto de prisão em flagrante,

  • termo circunstanciado,

  • auto de apreensão de adolescente,

  • de violência ou grave ameaça, ou que demandem adoção de medidas protetivas,

  • apreensão de objetos, ou realização de exame de corpo de delito ou outras perícias.


Ou seja, se a infração penal de adulterar placa de identificação de veículo deixa vestígio, portanto, é caso obrigatório de exame pericial (art. 158, CPP) e, consequentemente, de apresentação pessoal da ocorrência pelo policial militar na Delegacia de Polícia.

De outro modo, como já tratado no início deste material, se houver apenas o auto localizado, sem qualquer indício de outros crimes, todas as legislações apresentadas demonstram que dispensa a apresentação da ocorrência pelo policial militar, sendo elaborado apenas o BO/PM, NOC e acompanhamento do proprietário até o DP.

Por óbvio que o assunto não se esgota por aqui, mas procuramos tratar de algumas particularidades jurídicas que permeiam o atendimento de ocorrência de auto localizado produto de furto e roubo no Estado de São Paulo.

Autor: João Felipe Goffi