STJ: Critérios para a validade da confissão.
(STJ, Terceira Seção, AREsp n. 2.123.334/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 20/6/2024, DJe de 2/7/2024.) - Informativo 819
STJDIREITO PROCESSUAL PENAL
12/8/20244 min read


Critérios para a validade da confissão.
Ementa:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO SIMPLES. AUTORIA DELITIVA EMBASADA NA CONFISSÃO INFORMAL EXTRAJUDICIAL E EM RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. DESCABIMENTO. INADMISSIBILIDADE DA CONFISSÃO COLHIDA INFORMALMENTE E FORA DE UM ESTABELECIMENTO ESTATAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, III, DA CR/1988 E 157, 199 E 400, § 1º, DO CPP. INVIABILIDADE, ADEMAIS, DE A CONFISSÃO DEMONSTRAR, POR SI SÓ, QUALQUER ELEMENTO DO CRIME. NECESSIDADE DE CORROBORAÇÃO DA HIPÓTESE ACUSATÓRIA POR OUTRAS PROVAS. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 155, 156, 158, 197 E 200 DO CPP. MITIGAÇÃO DO RISCO DE FALSAS CONFISSÕES E CONDENAÇÕES DE INOCENTES. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, A FIM DE ABSOLVER O RÉU.
1. O acusado foi condenado pela prática do crime de furto simples, tendo como únicos elementos de prova (I) a confissão informal, extraída pelos policiais no momento da prisão, e (II) o reconhecimento fotográfico. O bem furtado não foi encontrado em sua posse, e um vídeo de câmera de segurança que registrava o momento do crime não foi juntado ao inquérito ou ao processo por inércia da polícia, perdendo-se ao final.
2. Diversos estudos independentes, nacionais e internacionais, demonstram que a prática da tortura ainda é comum no Brasil e que o tema nem sempre recebe a devida consideração por parte das autoridades estatais.
3. A confissão extrajudicial é colhida no momento de maior risco de ocorrência da tortura-prova, pois o investigado está inteiramente nas mãos da polícia, sem que exista atualmente nenhum mecanismo de controle efetivo para preveni-la. Conclusões corroboradas, novamente, por uma miríade de estudos, inclusive do CNJ, da ONU e da CIDH.
4. Diante do risco de tortura e da inexistência de meios capazes de desestimulá-la, a admissão da confissão extrajudicial exige que esteja garantida - e não apenas presumida - a licitude do seu modo de obtenção. Para tanto, a confissão extrajudicial somente será admissível no processo penal se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial.
Inteligência dos arts. 5º, III, da CR/1988; e 157, 199 e 400, § 1º, do CPP.
5. A confissão não implica necessariamente a condenação do réu ou o proferimento de qualquer decisão em seu desfavor. Afinal, como toda prova, a confissão ainda precisa ser valorada pelo juiz, com critérios que avaliem sua força para provar determinado fato.
6. Apesar de contraintuitivo, o fenômenos das falsas confissões é amplamente documentado na literatura internacional e comprovado por levantamentos estatísticos sólidos. Cito, por todos, dados do Innocence Project (de 375 réus inocentados por exame de DNA de 1989 a 2022, 29% tinham confessado os crimes que lhes foram imputados) e do National Registry of Exonerations (no mesmo período, de 3.060 condenações revertidas, 365 tinham réus confessos) dos EUA.
7. Pessoas inocentes confessam falsamente por diversas razões, desde vulnerabilidades etárias, mentais e socioeconômicas ao uso de técnicas de interrogatório sugestivas, enganadoras e pouco confiáveis por parte da polícia. 8. É essencial que o Ministério Público exerça de maneira efetiva o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da CR/1988), fiscalizando com rigor o nível de qualidade das investigações e do trato das fontes de prova.
9. Amparada a condenação do réu unicamente em duas provas inadmissíveis (a confissão extrajudicial informal, não documentada e sem nenhuma garantia da licitude de seu modo de obtenção, bem como no reconhecimento fotográfico viciado), segundo o quadro fático estabelecido no acórdão recorrido, a absolvição é necessária.
10. A polícia violou também o art. 6º, II e III, do CPP quando inexplicavelmente deixou de preservar uma cópia do vídeo da câmera de segurança que registrou o momento do furto, mesmo estando a mídia à sua disposição. Em virtude dessa inércia, quando o Ministério Público tentou obter cópia das filmagens meses depois, o vídeo já havia sido perdido. Injustificável perda da chance probatória.
11. Teses fixadas:
11.1: A confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu).
11.2: A confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.
11.3: A confissão judicial, em princípio, é, obviamente, lícita. Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP.
12. A aplicação dessas teses fica restrita aos fatos ocorridos a partir do dia seguinte à publicação deste acórdão no DJe. Modulação temporal necessária para preservar a segurança jurídica (art. 927, § 3º, do CPC).
13. Ainda que sejam eventualmente descumpridos seus requisitos de validade ou admissibilidade, qualquer tipo de confissão (judicial ou extrajudicial, retratada ou não) confere ao réu o direito à atenuante respectiva (art. 65, III, "d", do CP) em caso de condenação, mesmo que o juízo sentenciante não utilize a confissão como um dos fundamentos da sentença. Orientação adotada pela Quinta Turma no julgamento do REsp 1.972.098/SC, de minha relatoria, em 14/6/2022, e seguida nos dois colegiados desde então.
14. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial, a fim de absolver o réu.
(STJ, Terceira Seção, AREsp n. 2.123.334/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 20/6/2024, DJe de 2/7/2024.) - Informativo 819